O processo de mudanças por que vem passando a atual sociedade constitui-se uma realidade jamais vista na história da humanidade. As mudanças decorrentes do avanço da ciência e da tecnologia constituem-se fator que ameaça o indivíduo e grupos e ao mesmo tempo provoca a necessidade de uma permanente busca de renovação. Esse processo exige que o cidadão esteja constantemente revendo e reformulando seus saberes, a sua forma de atuação social e, especialmente, a sua contribuição produtiva para comunidade. Exige que o cidadão reconheça e pratique seus deveres e direitos políticos, de forma consciente.
As transformações técnico-científicas e organizacionais verificadas no cenário internacional indicam tendências peculiares em todos os setores. No setor educacional são muitas as demandas advindas e, nesse, a educação profissional é vista como um dos fatores fundamentais para o desenvolvimento. Nesse sentido, a definição pela oferta de um curso de formação de professores que são os formadores (em todas as áreas) tem um significado institucional muito importante.
O mundo do trabalho mudou. Mudaram-se a organização dos empreendimentos produtivos, as tecnologias, as formas de gerenciamento da produção, as relações que se processam na realização das atividades, a organização espacial dos empregos. Mudaram-se os requisitos exigidos aos cidadãos produtivos – empreendedores e trabalhadores. Mudaram-se, assim, as exigências relativas à formação de professores que atuam em todos os níveis e modalidades de ensino.
Acredito que precisamos situar-nos, todos, para sermos capazes de dirigir novos olhares para o novo mundo que aí está. Precisamos, então, construir novas propostas, sob um novo paradigma, entendidas como o compromisso do grupo, aquilo que os membros da comunidade partilham, pois a forma de conceber e orientar a oferta da educação decorre da orientação, do grupo responsável pela ação. Essa não é uma tarefa solitária.
Conforme Thomas Kuhn, o paradigma “(...) indica a constelação de crenças, valores, técnicas, etc. partilhadas pelos membros de uma comunidade”. É o corpo teórico maior que define e orienta ações de um campo de atuação.
Os paradigmas variam conforme a posição conceitual do grupo, conforme o compromisso que assumem – com o quê e com quem se está comprometido:Com a formação cidadã aluno? Com a politecnia? Com determinada empresa ou grupo? Com que tipo de sociedade? Com a inclusão social?
Muitas são as perguntas que precisam ser feitas e respondidas quando se trabalha com educação e essas – perguntas e respostas - pressupõem a compreensão relativa a determinados conceitos comuns, usuais nessa área, dependentes da perspectiva política de quem os utiliza.
Formar um Professor significa prepará-lo para manifestar na sociedade aquilo que ele é: uma pessoa portadora de atitudes, de valores, de conhecimentos, de habilidades intelectuais/motoras/sociais e capaz de desenvolver aptidões e realizar funções específicas do magistério.
Um evento de formação de professores não pode significar, apenas, a preparação para a realização de tarefas didáticas. Deve ser muito mais que isso, deve significar a oportunidade para que o aluno possa compreender as dinâmicas sociais e produtivas que se processam na sociedade, hoje globalizada, com as conquistas e com os reveses e contradições que essas têm gerado. Deve significar a preparação para o exercício autônomo, crítico e criativo que possibilite a capacidade de investigação e a busca de soluções, de respostas para questões teóricas e práticas da vida cotidiana do magistério.
A desigualdade social que tem origem na desigualdade econômica, no ambiente das relações que se processam entre as classes sociais, determina as condições materiais e de trabalho das pessoas. Essas condições determinam as diferenças que elas possuem para o acesso à cultura, à educação. A classe que detém o poder econômico possui, também, os meios de comunicação, de produção cultural e de difusão da cultura.
A tendência é, portanto, a de colocar todos esses meios a serviço de seus interesses. Desse modo, a classe minoritária, mas dominante, difunde e justifica a sua própria concepção do mundo, suas ideias, seus valores e práticas que pretende para a vida, para o trabalho, para as relações sociais. O modo de difundir e justificar ideias é a estratégia utilizada pelo capitalismo que utiliza um sistema educativo constituído por escolas, igrejas, agências de formação, clubes e pela mídia para repassar a sua ideologia. Esses meios utilizados possuem importante influência sobre o modo de pensar de toda a sociedade, de todas as classes sociais que a compõem. Assim, historicamente no Brasil, a educação que os trabalhadores recebem visa a prepará-los para um trabalho alienado, para atitudes conformistas, para uma educação deficiente, de segunda categoria.
Desenvolver uma educação alienada não é o papel de uma escola que cumpre a sua função de educadora. A esta cabe a contribuição efetiva de formar o cidadão capaz de transformar a si próprio e o seu meio. Educar para a cidadania deve significar, na realidade, o desenvolvimento de uma práxis de Educação na cidadania. (Rubem Alves p. 15).
A cidadania não pode ser separada da questão do poder, que precisa ser socializado, pelo alargamento das formas de participação.
A educação para a cidadania se processa no exercício da cidadania, no campo de conflitos, tais como a possibilidade ou não de democracia, na participação no poder, na igualdade política numa sociedade capitalista, baseada na desigualdade social e econômica (Arroyo - p. 61).
Existe distância entre igualdade social e liberdade política e isso se deve à privatização do poder, em todas as instâncias, inclusive na escola.
Posso até dividir/distribuir o pão, o agasalho, mas não o meu poder.
Não se pode mais vincular cidadania apenas à consciência, ao saber, aos valores culturais da elite. A cidadania pressupõe, também, condições materiais de existência, formas de produzir a vida material, relações sociais da produção de forma justa. E isso não é uma tarefa fácil.
A responsabilidade da escola é muito grande. A ela cabe a escolha da concepção de vida e de sociedade que pretende desenvolver. Ao tempo em que desenvolve os objetivos e demandas da sociedade, deve sempre observar a que interesses ela está atendendo com as propostas que realiza.
À escola cabe assegurar o direito de todos a uma Educação de qualidade, desenvolvida de modo a assegurar o domínio de conhecimentos, habilidades, atitudes, desenvolvidos com a formação de capacidades intelectuais de um pensamento autônomo, independente e criativo.
Assim orientado, o processo educativo necessita de um redimensionamento porque, privilegiando a globalização econômica - capitalista ou não - constrói a ideia de que existe uma única possibilidade de modernização, de organização societal e de conduta humana (Oliveira p. 11) e o que se verifica é a incapacidade de inclusão social de todos, mantendo e até acentuando as desigualdades existentes.
O capitalismo privado ou o estatal (por exemplo, o Chinês) subsume tudo aos seus interesses, determinando o quê e o como será feita a preparação dos futuros profissionais de modo a atender seus interesses econômicos, quase sempre, em detrimento da dimensão individual e social do trabalhador. Para garantir os lucros que pretende auferir, o capital estabelece os paradigmas, as “competências” desejadas e as suas formas de relação com o trabalho, sem considerar necessidades e interesses maiores.
Assim, o capital apropria-se, de forma explícita e/ou implícita, dos novos conceitos educativos e determina o quê e como deve ser feito, subordinando o trabalho de muitas escolas que agem alienadamente.
O capital estabelece como recurso estratégico para sua dominação o emprego dos conceitos de competência e de empregabilidade (....). Esses conceitos, ao serem largamente utilizados na arena educacional, produzem uma desestruturação da educação no que se refere à possibilidade de se forjar, pela prática pedagógica, cidadãos devidamente comprometidos com uma nova ordem social. (Oliveira, pág 87).
Aos educadores cabe a tarefa de garantir uma educação sem dicotomias, uma escola que articule igualmente o conteúdo teórico e prático para que o aluno possa, no futuro, dispor de conhecimentos, habilidades e atitudes diversas que lhe permitam, em melhores condições, exercer a sua cidadania, na qual se inclui a participação produtiva, profissional. Quando se fortalece a dicotomia entre educação teórica e a prática profissional, compromete-se a formação de cidadãos integrados à sociedade, à vida política brasileira.
O futuro profissional que se pretende formar não pode ser preparado apenas para a “realização de tarefas”, a educação deve aspirar a um cidadão consciente, um profissional crítico, autônomo, capaz de articular-se, de forma includente, com o modelo globalizado.
Para isso, a escola deve ser um lugar de socialização democrática dos conhecimentos historicamente produzidos, uma resposta às investidas do capital, articulando meios, novas práticas educativas na busca de cidadãos participantes, questionadores, sensíveis e comprometidos com o que se passa no mundo e com as outras pessoas.
As dificuldades que se encontram para construir esse projeto não podem ser impeditivas para as ações. Elas devem representar desafios na constituição de uma nova história.
É importante que se tenha clareza de que a oferta de educação é uma atividade complexa e por isso precisa ser crítica e muito consciente. Ela é complexa, sobretudo, quando são consideradas as contradições e controvérsias advindas de demandas do processo produtivo. Essas, nem sempre, são compatíveis com o compromisso político da educação que busca a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, com a inclusão da parcela populacional, historicamente, alijada das benesses produzidas.
O nosso compromisso deve ser refletido e muito consciente. Não podemos mais, de forma alienada, contribuir para a subordinação da escola ao capital, mantendo e aprofundando as desigualdades sociais.
O capitalismo já mostrou que não constrói uma sociedade eficiente, justa, equilibrada e que preserve o meio ambiente. O socialismo mostrou que não constrói uma sociedade utópica, nega a liberdade individual e destrói o meio ambiente, também. A saída é o educacionismo, escola igual para todos. Para mim, o que faz a revolução não é tomar o capital do capitalista e dar para o trabalhador. É colocar o filho do trabalhador em uma escola igual à escola do filho do capitalista. ¨(Senador Cristovam Buarque, em entrevista ao Correio Braziliense do dia 18/9/08.)
A educação não tem poder para resolver os problemas econômicos decorrentes desse modo de agir do sistema econômico, mas pode contribuir:
- Conhecendo o contexto em que se insere, para promover o diálogo social (e nele incluir-se) valorizando todos os pontos de vista nele existentes;
- Fortalecendo a racionalidade ética frente à racionalidade tecnológica;
- Potencializando o uso crítico e social das tecnologias;
- Buscando meios de fazer com que o trabalho educativo guarde ou encontre condições para incluir os que hoje são excluídos.
- Contribuindo para a conscientização do aluno como indivíduo e ser social, sempre atento às possibilidades e limitações existentes;
- Ajudando o aluno a preparar-se como ser produtivo em si mesmo, na defesa da sua liberdade, sua capacidade de agir de maneira auto-referencial em vez de identificar-se com determinado tipo de empresa.
A educação não precisa colocar-se contra a abertura mundial da produção e dos intercâmbios, mas deve contribuir para a existência de uma nova forma de mundialização que não esmague os interesses locais, as minorias, o meio ambiente em proveito apenas de quem já detém a riqueza, o poder, a influência.
Enfim, podemos contribuir oferecendo, a todos, a oportunidade educacional que cada um necessita e que essa seja uma escola de qualidade. Assim, faz-se necessário que estejamos sempre atentos.
Diante dessas constatações, vários desafios se fazem presentes para nós. Já é hora ou já passou da hora de reunidos buscarmos respostas e juntos construirmos as soluções necessárias.
“Sonho que se sonha só é só um sonho.
Sonho que se sonha junto é realidade”.
Raul Seixas
ALVES Rubem. A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. Campinas: Papirus, 2001.
OLIVEIRA, Ramon de. A (des)qualificação da educação profissional brasileira. São Paulo: Cortez. 2003
Comentários
Postar um comentário